sábado, 4 de maio de 2013

«A Arte de Ser Cavaleiro» de Augusto Casimiro



[Palavras que nos alimentam a alma:]

Não te humilhes de remorsos, lembrando o passado. Exalta-te dia a dia. Viver é ser cada vez mais forte, mais justo e mais puro.

Sorri à Morte sempre que adivinhares.

Vive entre sugestões e desejos heróicos, à flor da tua Alma. Embriaga-te no desejo de te superares. Arde na irrequietude de uma grande sonho. Não sucumbas diante das realidades quotidianas. Sê a excepção. Vive na minoria.

Sê bom, generoso, piedoso. E sê forte. Ao serviço de uma causa justa toda a força é linda.

Penetra, do teu coração, as misérias e a beleza. Domina-as, comanda em ti mesmo.

Não te escravizes, do passado, a qualquer má lembrança. Para ti, do passado, existem somente as coisas belas.

Sobe, correndo, a cada cimo.

Não vivas um dia sem uma vitória. Vence-te e aos outros… Aos que ofendem, limitam, a beleza da Vida.

Que ao meio de todos os desastres a tua consciência seja a tua consolação.

Faz do teu orgulho uma torre de menagem a que subam crianças.

A vida está cheia de cárceres, tentando-nos, alegrias, honras, poderio, falsas glórias que são algemas. Foge de todas elas. Defende a tua fortaleza. Torna-te invencível.

Evoca os teus mortos, os grandes da tua Pátria e do mundo. Pergunta-lhes o sonho com que modelaram destinos. Adivinha a porção de divindade que lhes imortalizou os gestos e as façanhas, o esforço que neles preparou, conquistou o Futuro.
Procura entendê-los, continuá-los, servi-los.
A eternidade dos mortos é o seu poder amorável, criador, ao serviço do mundo, quebrando algemas, revelando, preparando o Amanhã.

Ama a tua Pátria de um amor incapaz de crimes. Não disperses o teu amor fazendo-te sectário.

Não te demores a ouvir falar cadáveres.
Os que tentam limitar o divino poder da tua mocidade, prendendo-te ao passado, são cadáveres fazendo a apologia da morte.
Na tua Pátria há uma tradição apenas, a dos actos supremos dos seus príncipes, – guerreiros, poetas, sábios, cavadores, marinheiros, santos, – símbolos da raça, através de fórmulas cada vez mais livres realizando ventura, enriquecendo a vida, servindo o Universo e a Pátria… Forças de Deus apressando as jornadas dos nossos destinos.

Há homens que trazem no peito, morto de miséria e erro político, o próprio coração, sem o saber. Vivem, tentam viver, raciocinando a negação da divindade da Vida. Os seus credos guardam-lhes os interesses inferiores, negam, afrontam o poder criador que a vida em si leva, justificam-lhes a incapacidade religiosa. São mais ódio que amor. Vencidos inglórios. O oceano da Vida rola as ondas longe das suas praias. Querem lançar-vos no peito e às mãos cadeias feitas de esqueletos, e erguer, em cada alma, um cárcere.
São os pigmeus procurando travar os passos do gigante. Sepulcros… Blasfémias na noite silenciosa sob o luar indiferente.

A vida é cheia de misérias, egoísmos, invejas. Ser grande, ser forte, ser puro, até exercer domínio, – é ser a excepção. E a massa odeia as excepções. Resiste! Resiste! Sê implacável. Impõe-te.

Nunca fiques indiferente diante de uma injustiça. Não cales nunca a voz com que se acusa um crime. Nem o gesto que aniquila um mal. Que nenhuma lágrima alheia deixe de comover-te.

Ser forte é ser impoluto.

Vive com alegria!

Tem o horror das faltas inconfessadas. Arranca aos outros, sempre, confessando-as, o argumento com que poderão atacar-te.

Não receies exílios, hostilidades, perseguições ou ódios. Os homens fracos costumam, por eles, tentar a escravidão dos que lhe são superiores. Nada receies. Segue o teu caminho. Vencerás assim.

Toma consciência da tua responsabilidade face a Deus e a ti mesmo. E que nada, frente ao acto belo e necessário, – nada! – te faça recuar.

Só os covardes e os maus hesitam nas horas grandes. Os iluminados por uma fé ou um culto, obedecendo à vida, seus escravos para ventura maior do Mundo, - encontram sempre a justificação perfeita das violências necessárias e redentoras.

Inverte o natural egoísmo do teu ser. Em vez de segurança inveja o perigo. Inveja as mortes belas.

Vela as armas longamente, longe dos homens e no silêncio. Despe-te de ambições transitórias. Couraça-te de orgulho eterno. Se és cavaleiro, e eleito da Vida, ambições e egoísmos, para ti, serão como odres vazios… Fortalece-te no sacrifício, exalta-te, prepara as tuas armas para o supremo embate, torna-te invulnerável… Depois serena… A tua hora chegará, a exigir-te, a implorar-te… Dá-te sem delírios inúteis, entrega-te como se fosses para o Calvário… – «Que a vontade de Deus se cumpra em mim!...»

Que o amor do Futuro seja, em ti, uma fogueira ardendo. Serve, nele, o sentido da Vida e o interesse mais puro dos homens. Liberta-te do momento que passa tornando-te melhor e diminuindo a dor inútil ao Mundo e contrária à Vida. São os interesses sem alma que levam o homem a negar o Amanhã.

A redenção dos homens faz-se através das Vidas eleitas que se ergueram à Montanha. Vive! e que cada hora vivida seja em ti e para a Humanidade, um resgate, mais bela, mais feliz e mais livre que a anterior.

Os que se batem pelo futuro do Mundo são os Cristos da nova Idade.

Que a tua ventura dimane sempre, antes de tudo, da ventura dos outros.

Que o teu olhar nunca se aparte do Oriente, nem a tua alma se desinteresse das auroras por nascer…

Anseia infinitamente, como a Vida, as transformações, os libertadores avatares que revelam e exaltam as forças divinas que nela estão como um tesoiro oculto.

E que nem a memória de um velho valor te escravize, nem o amor do passado seja, em ti, a hipocrisia do teu horror ao Futuro.

Sê da Vida e de Deus! Que uma única lei te comande: - a da tua comunidade com o mundo, com todas as coisas, seres e almas, na grande ramagem, cada vez mais pura, cada vez mais livre, mais próxima de Deus!
In Augusto Casimiro (1889-1967), Obra Poética

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